Teatrologias

10 dezembro 2007

GARCIA, Clóvis. Pesquisa em Artes Cênicas. IN Anais do 1º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. São Paulo, set de 1999.

Resumo de Iara Sydenstricker

Inicialmente, o autor recorre à Antropologia para definir os conceitos de Educação e de Cultura. Para ele, o primeiro seria o desenvolvimento da inteligência do homem no âmbito de suas relações sociais e, o segundo, o resultado da aplicação dessa inteligência no meio social. Após conhecer, analisar e sintetizar a realidade, o homem poderá criar e nela intervir. Garcia entende que planejamento é o processo de sistematização dessa intervenção, que ocorre em fases que, ordenadas, constituem um plano ou projeto. Como a realidade é muito ampla, o autor acredita ser preciso definir os objetivos do plano e situá-lo no tempo e no espaço. Tais objetivos devem ser permanentemente revisados.

Todo planejamento deve contar com um plano, um projeto e programas. O plano bem sucedido deve ser viável, global, flexível e contar com a participçaão de todos os que nele estão envolvidos. Para o autor, o bom projeto deve servir para qualquer planejamento e deve, ainda, responder satisfatoriamente às seguintes indagações: O quê, por quê, como, quando, quanto, onde, quem e para quem se vai fazer o projeto? Um bom projeto de pesquisa deve seguir o seguinte esquema:

1 – Proposta (o que e quem)
2 – Objetivos gerais e específicos (quanto e onde)
3 – Justificativa (por quê e para quem)
4 – Metodologia (como)
4.1 – Método (dedutivo hipotético, dedutivo categórico, indutivo, dialético, etc)
4.2 – Procedimentos
4.2.1 Pequisa bibliográfica
4.2.2 Pesquisa de campo (observação, entrevista, questionário)
4.2.2.1 – instrumentos (caderneta de campo, gravador, máquina fotográfica, filmadora)

Mas, o que é pesquisa, afinal? Para Garcia, “é o instrumento do planejamento, a forma organizada para conhecer a realidade. É um meio e não um fim”. A pesquisa é a primeira fase de um plano. Os métodos de pesquisa podem ser assim classificados:

Método dedutivo - Aquele que decorre de uma hipótese (comprovada ou não);
Método indutivo – Aquele que parte de um objetivo, analisa partes do todo por amostragem e infere conclusões sobre esse todo. A experimentação faz parte deste método;
Método dialético – Aquele que nasce das contradições do conhecimento, contituindo-se em três fases (tese, antítese e síntese).

Além do método, a pesquisa requer outros procedimentos, que são a pesquisa bibliográfica; a pesquisa de campo (observação sistemática, questionários, entrevistas, registros); e a experimentação, que não deve ser confundida com a pesquisa participante.

No que se refere à Arte, o autor acredita ser essa uma atividade que traz forte traços da subjetividade do pesquisador/artista. Ele afirma que as Artes Cênicas são, dentre todas, as mais plenas porque existem em função de um coletivo e sintetizam os artísticos de todas as outras formas de Arte. O Teatro, produto do trabalho de uma equipe, seria a Arte que melhor atende às funções estética, didática e lúdica, servindo como instrumento de educação. O valor do Teatro estaria vinculado às suas características únicas: na relação entre realizadores e público e na sua produção coletiva. A própria existência de uma obra teatral estaria condicionada à criação coletiva de pelo menos cinco criadores: autor, diretor, ator(es), cenógrafo e público. Garcia ainda define os tipos de participação do público durante um espetáculo teatral, a saber: ritual, catártico, contemplativo, didático, agressivo, lúdico, ou criador.

A pesquisa em Artes Cênicas deve seguir o método científico, ainda que em casos de pesquisa voltada para a criação seja preciso considerar especificidades nem sempre contempladas por métodos próprios à Ciência. A pesquisa voltada para a criação de uma obra de arte deve contemplar as técnicas e os elementos materiais, já que a criação, ela mesma, não requer pesquisa, mas sim inspiração. O autor ainda afirma que, nas Artes Cênicas, a pesquisa empreendida para a realização de um espetáculo teatral pode se apoiar na História, na Psicologia, nas Ciências Sociais, a depender da temática tratada, com diversas opções de foco, a saber: pesquisa de texto; pesquisa de direção; pesquisa de interpretação; pesquisa de cenografia; pesquisa de indumentária; pesquisa de iluminação; pesquisa de música e de dança(quando couber); e pesquisa do público alvo.

Aluna: Mara Lucia Leal

Resumo: GT Territórios e Fronteiras
VILLAR, Fernando Pinheiro e DA COSTA, José. Operando nas fronteiras: três apontamentos sobre perspectivas metodológicas. In: CARREIRA, André et al. (org.). Metodologias de pesquisa em artes cênicas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006, pp. 130-157.

Com esse texto, os autores pretendem realizar um resumo das reflexões e discussões realizadas no GT Territórios e Fronteiras da ABRACE, desde seu início em 1999, quando se realizou o I Congresso da Associação.
Para tanto, iniciam o texto com uma breve descrição do que seria o objetivo do GT: trabalhar na fronteira das artes cênicas com outras artes e áreas da cultura. Para abranger um objeto de estudo tão vasto os autores afirmam ser necessários uma multiplicidade de abordagens metodológicas e de estratégias transdisciplinares.
Além disso, uma grande dificuldade em delimitar uma teoria do conhecimento cênico seria a idéia materialista de cultura que não prevê a subjetividade e o devir presentes nas artes cênicas. Por isso, o topos teórico do GT tentaria fugir das duas extremidades metodológicas: a marxista e positivista, por considerar que existe uma epistemologia que daria conta de todas as interpretações e a pós-estruturalista radical por apontar para a impossibilidade de qualquer interpretação. Fugindo desses dois pólos, o GT “se movimenta em um topos pós-estruturalista que ambiciona outras epistemologias”, partindo dos estudos de Deleuze e Guattari que colocam no mesmo patamar arte, ciência e filosofia (p. 133).
Na “busca de epistemologias não fixas da cena, da ação testemunhada e do corpo em cena”, cada pesquisa deve desenvolver como forma de estratégia inicial, uma moldura conceitual e contextualização histórica e estética do evento pesquisado. Assim, o conceito é usado como uma “caixa de ferramentas” para explicar determinado fenômeno e não para determinar sua veracidade.
Para exemplificar tal estudo, os autores escolheram um tema para discussão considerado fundamental no teatro: o texto cênico. Eles comentam que os experimentos das décadas de 80 e 90, ao colocar em xeque o papel central dado ao texto dramático na história do teatro ocidental, tiveram a importância de questionar “conceitos habituais de teatro, de personagem, de trabalho de ator, da relação com espectador, do tempo, do ritmo teatral, etc.” (p. 141).
Para discutir a noção de escritura ou de escrita no teatro, eles recorrem à Anne Übersfeld, cuja base teórica é estruturalista e saussuriana. A autora vai considerar a representação teatral como texto. O texto cênico teria dois níveis: O texto verbal, que contem os códigos lingüísticos e o texto geral da representação teatral (RT).
Os autores complementam a discussão com a leitura de Patrice Pavis, que considera a escritura cênica uma metáfora, pois “mesmo que a semiologia revele certos princípios de funcionamento cênico, é claro que ainda ficamos muito longe de um alfabeto e de uma escritura no sentido tradicional” (Dicionário de Teatro, 1999:131-132). Do mesmo modo, o conceito de hipertexto utilizado por Pierre Lévy também seria uma metáfora dos processos mais amplos de comunicação em rede.
Também Jacques Derrida irá utilizar o conceito de escritura num sentido mais amplo, “como o campo do arbitrário e do instituído e não só em um sentido estrito de escrita e representação gráfica” (p.148). Assim como o termo linguagem passou a ser utilizado por uma gama de eventos também o termo escritura não é mais utilizado apenas “em um sentido estrito de escrita como representação gráfica de caráter fonológico e alfabético” (p. 148). Também os conceitos de diferimento (differance) e de rastro de Derrida são trazidos pelos autores para “compreender as dinâmicas criativas da dramaturgia, da encenação e do trabalho dos atores, no teatro contemporâneo, no interior de operações fortemente interativas (...)” e processuais (p. 151), pois esses conceitos ajudam a desconstruir as relações hierárquicas entre as diferentes partes que compõem uma determinada escritura cênica.
Ainda sobre o tema, trazem Barthes e sua conceituação do texto como um tecido, uma rede (network), um “espaço onde nenhuma linguagem domina outra, onde linguagens circulam” (Barthes, 1977: 164), já que nenhum texto é original, mas um “espaço multidimensional”, no qual essa variedade de escritos “misturam-se e chocam-se” (Op. cit.: 147).
Assim, concluem, a “escrita dramatúrgica” poderia ser entendia tanto como leitura, tradução de textos culturais anteriores como escrita do corpo e no corpo, dos sons e das imagens técnicas. (p. 154)
Ao finalizar o texto, retomam a idéia de abordagem transdisciplinar como uma chave para se debruçar sobre a arte contemporânea por permitir vários cruzamentos metodológicos. Por isso, o GT Territórios e Fronteiras abrange tantas áreas teóricas como Estudos da Performance, de Gênero, Pós-estruturalistmo, Desconstrução, Semiótica, Fenomenologia, Etnocenologia, etc.

Aluno: Gil Vicente Tavares
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Resumo do capítulo um de Silvio Zamboni in: ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte, um paralelo entre arte e ciência. Editora Autores Associados, Campinas, SP, 1998.

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No capítulo um de seu livro A pesquisa em arte, Silvio Zamboni trata das relações entre arte e ciência. Na primeira parte do capítulo, intitulada Arte e ciência como conhecimento, o autor começa por analisar a divisão do conhecimento humano, a partir de Descartes, em quatro conceitos básicos:
1. Evidência;
2. Divisão;
3. Ordem;
4. Enumeração.
Logo após ele faz um breve passeio por filósofos, citando Bacon, que pensou um método experimental, indutivo, empírico; Galileu, que utilizou a matemática para a física e Newton, que uniu Bacon e Descartes.
Zamboni condena a divisão do pensamento em sub-áreas, pois tira a amplidão do conhecimento. Ganha-se em profundidade, mas é reducionista. Para o autor, o encontro do racionalismo ocidental com o pensamento intuitivo oriental como o I Ching, afinou a ciência em relação à teoria da relatividade, à descoberta quântica, fazendo com que o cartesianismo não mais respondesse a novas questões.
Mais adiante o autor toca na questão do modernismo, relacionando-o com o experimentalismo. Algo como um conjunto progresso-descoberta-experimento. Neste momento Zamboni insere a discussão sobre arte, também, como uma espécie de ciência experimental, citando o pensador Max Bense, que afirma isso em seus estudos. O autor chega a dizer que “a arte não contradiz a ciência, todavia nos faz entender certos aspectos que a ciência não consegue fazer” (ZAMBONI, 1998: p.20).
O autor segue dizendo que tanto a arte quanto a ciência tem características de experimento, busca, pesquisa, sendo que a ciência busca explicação em leis universais e “a explicação artística é extremamente particular” (ZAMBONI, 1998: p.21).

Na segunda parte, intitulada Intuição, intelecto e criatividade em arte e ciência, o autor faz paralelos com a funcionalidade do cérebro, dividido entre lado direito, intuitivo, sensitivo, e esquerdo, racional. Zamboni escreve que tanto o cientista quanto o artista utilizam os dois, nunca somente um. Raciocínio e intuição estão conectados, e funcionam das conexões entre razão e sensibilidade, às vezes estimulando mais um, às vezes outro; Jung, Bergson e outros vão mostrar a importância da intuição, que pra Jung está no nível do inconsciente.
A idéia entra no âmbito do racional para se materializar, através da “linguagem, sejam palavras, fórmulas ou símbolos” (ZAMBONI, 1998: p.29). Trabalho criativo = “momentos criativos (intuitivos), seguidos de ordenações racionais” (ZAMBONI, 1998: p.29).
Tanto arte quanto ciência podem trazer algo de novo, segundo o autor. Fundamentados em algum padrão preexistente, um novo ordenamento já é um ineditismo. Vale ressaltar o valor dado por Zamboni ao insight, a descoberta através da intuição e da sensibilidade que pode trazer algo de inédito, mesmo que a partir de uma base já descoberta.

O paradigma em arte e ciência é sobre o que trata a terceira e última parte do capítulo. A partir da questão tratada anteriormente, Zamboni busca definir dois períodos distintos nas ciências. Um período de ciência normal, com pequenos atos criativos, solução de quebra-cabeças, intenção de preservar padrões; e um período de revolução científica, onde há uma tensão de regras e leis, criatividade, intuição e experimento. Este período geralmente sofre uma não aceitação inicial devido ao choque de conceitos. Contudo, após as leis serem confirmadas, aceitas, correm o risco de ficarem marginalizados aqueles que não a aceitam.
Relacionando novamente com a arte, Zamboni vê muitas semelhanças com ciência na sua sistemática de surgimento e ruptura: períodos históricos parecidos, conceitos e quebras de padrões parecidos. Muitas vezes, as revoluções da arte e da ciência não soam identificáveis logo, bem como podem ser identificadas a posteriori.
Falando das revoluções artísticas, o autor fala que as mudanças, talvez por seu caráter mais subjetivo, tenham sido, em alguns momentos, “mais traumáticas e difíceis” do que nas ciências. Ele conclui dizendo que, no período da revolução, os revolucionários pagam um alto preço, mas depois de estabelecidos os novos paradigmas, os que ficaram pra trás acabam sofrendo por anacronismo.
Para Zamboni, nas ciências, o referencial histórico perde mais o seu valor por ser “ultrapassado”, enquanto nas artes, segundo ele, é fundamental um referencial histórico para a formação e consciência do artista.
Após questionar o pós-modernismo como crise e esgotamento do modernismo ou novo paradigma, o autor vai falar sobre o processo de acumulações de conhecimento num determinado paradigma, e dizer que no processo criativo, “uma acumulação não só em termos técnicos como também em termos intelectuais” enriquece a arte.
O texto encerra com uma reflexão sobre as inovações tecnológicas. Elas afetam a arte e a ciência, mas, enquanto na ciência a tecnologia está a serviço e criada para, a arte se utiliza da tecnologia apropriando-se de suas funções para outras finalidades, conclui o autor. Não há objetivamente um “desenvolvimento de tecnologias específicas para serem utilizadas em arte” ((ZAMBONI, 1998: p.40).
Relativizando seu valor e finalizando, Zamboni diz que a tecnologia não mudou paradigmas; serviu para comprovar teorias, na ciência, e como recriação, ferramenta criativa na arte.

AMABILIS DE JESUS DA SILVA
NAJMANOVICH, Denise. O sujeito encarnado: questões para pesquisa no/do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

Nesta resenha, tratarei inicialmente do segundo capítulo, intitulado “Inteligência única ou múltipla: um debate na metade do caminho”. Servindo-se de um estudo de caso, ou aplicação de um dos temas emergidos no primeiro capítulo, reificação, a autora problematiza a idéia de Inteligência a partir de um lugar que dê enfoque à complexidade.
Sua primeira crítica se dirige ao sistema categorial, ou seja, à Teoria Clássica das Categorias, que se norteiam a partir dos seguintes pressupostos: a) existem classes naturais com limites precisos e definidos; b) todos os seres humanos usam o mesmo sistema conceitual; c) o significado se refere à relação símbolos-coisas, ou seja, supõe um modelo “referencial”; d) a razão é transcendental e a gramática é forma pura. Contudo, em sua visão, a mudança do conceito de categoria implicaria na mudança do conceito de “compreensão”, “realidade” e “verdade”, uma vez que os pressupostos dados indicam a categorização como mero reflexo de um mundo que já vem dividido em categorias (classes), e que as apreendemos tais quais são.
Mas as falhas das categorias podem ser denunciadas justamente nas zonas de intersecções, observadas, por exemplo, nos vários sinônimos utilizados para Inteligência: perspicácia, lucidez, talento, astúcia, entendimento, compreensão, sagacidade, e em especial, a associação ao Quociente Intelectual, adotado desde aproximadamente 1916. Oriundo de um estudo formulado por Alfred Binet, em 1905, na França, cujo objetivo único era atender alunos que necessitavam de escolas especiais, este teste tornou-se tanto sinônimo de Inteligência como meio de exclusão. Terman, Goodard e Yerkes, pesquisadores da Eugenia, tiveram grande importância na manipulação do termo e no diagnóstico de hereditariedade. A lei da eugenia dos Estados Unidos, assinada em 1917, é a resultante máxima, trazendo por conseqüência a proibição de reprodução para pessoas catalogadas como débeis mentais.
Permanecendo no estudo de caso, a autora passa a analisar as contribuições, e reincidências, do tratado “Teoria das Inteligências Múltiplas”, de Gardner. A positividade reside na mudança da pergunta: Quão inteligente você é? (How smart are you?) para: De que modo você é inteligente? (How are you smart?). Na pergunta de Gardner há o entendimento de que a Inteligência não é uma entidade única e abstrata, e sim uma atitude que se expressa através de sistemas simbólicos diferentes, decorrentes de domínios culturais. Contudo, a insistência em saber o número exato de Inteligências remete ao pressuposto que existe em nós diversas formas pré-estabelecidas de ser Inteligente.
Abrindo a conclusão, Najmanovich propõe como método perguntas anteriores, na tentativa de desestabilizar a naturalização das categorias, tendo-se por base que cada categorização só reflete aquele que categoriza.
Para tratar do quarto capítulo, “O desafio educativo em um mundo em mutação”,
sublinho antes a aplicação, por parte da autora, do método apontado no segundo capítulo como recurso de estruturação do assunto. Ou seja, para desnaturalizar temas já pontuais da educação, Najmanovich recorre a uma série de indagações sobre a problemática do conhecimento, a problemática do ensino-aprender, a quem caberia a responsabilidade de educar, como se formaria uma rede, o que se deve ensinar, quem pode ensinar e o que se espera dele(a), e a problemática da articulação entre as diferentes facetas da problemática educativa.
As indagações partem da proposta de virtualizar a questão educativa, entendo virtualizar como possibilidade de sair do espaço das respostas clássicas e das críticas tradicionais, conformando um campo de problematizações, e gerando o deslocamento das mesmas. Para tanto, faz-se mister retomar a questão do conhecimento, que sendo produto da interação humana com o mundo, passa a preocupar-se com a atividade do sujeito, a importância dos meios tanto simbólicos quanto técnicos na produção do conhecimento, destacando a dinâmica cognitiva e a produção de sentidos.
O conhecimento pautado nas indicações pós-positivistas, aliado ao advento da informática, prevê mudanças inclusive na maneira de buscar as informações, na postura de quem ensina e quem aprende e, sobretudo, na forma de avaliação. Usando a metáfora das redes, de Deleuze e Guatari, o desafio, segundo a autora, seria considerar a complexa rede de relações que ligam a configuração espaço-temporal, o estilo relacional e a concepção do conhecimento, pois os meios de expressão afetam os processos de pensamento.
Para finalizar, Najmanovich destaca três pontos para apresentação da problemática: a) as culturas orais – o modelo poético; b) a escola da modernidade – o modelo mecânico-disciplinar; c) uma alternativa para a transformação – o modelo da rede alternativa. No primeiro caso, a poesia é tida como instrumento fundamental para garantir a sobrevivência da tradição e como eixo da educação comunitária. A memória se desenvolve e depende do ritmo na poesia, na música e na dança, tornando-se corporal e intelectual, emotiva e cognitiva. A escrita, vinda como revolução cultural, encarcerará o sujeito, e o conhecer se distancia do vivente. No segundo caso, o conhecimento insurge como representação objetiva do mundo, como cópia do mundo: ao conhecer se cria uma “imagem interna”. A escrita, principal meio de expressão e aprendizagem, causa distanciamento entre “aquele que conhece” e “o que conhece”. A educação busca disciplinar a subjetividade para que não “infecte” com suas deformações a imagem canônica aceita no mundo, pretendendo o neutro e impessoal. No terceiro caso, a tese da autora, o processo tende ao multimidiático, ao multimodal, à hibridização, à fertilização cruzada, à inter e transdisciplinaridade. Conhecer seria produzir sentido em um mundo experencial rico e dinâmico. E o conhecimento se coloca como processo dinâmico e encarnado em sujeitos e instituições sociais em interação com seu meio ambiente vital e em permanente transformação.

MARILA ANNIBELLI VELLOZO
NAJMANOVICH, Denise. O sujeito encarnado: questões para pesquisa no-do cotidiano, Ed. DP&A, Rio de Janeiro, 2001.

No capítulo 1 intitulado O sujeito encarnado: limites, devir e incompletude, a autora
aborda a concepção da Modernidade e do corpo da modernidade mostrando como as metáforas constitutivas dos procedimentos que sustentaram essa concepção duraram no tempo. De início ela aponta 3 afirmações da perspectiva conceitual que rompem com discursos da modernidade partindo da exigência de se especificar o lugar de onde se fala:
1. ética = o falante faz-se responsável pelo seu discurso;
2. estética = reconhece a importância do conteúdo, da forma e dos vínculos específicos que cria;
3. política: pretende um lugar na rede de relações contemporâneas.
Para uma compreensão do que falamos quando falamos de corpo, enfatiza as diferenças entre a linguagem falada e a linguagem da experiência vivida, por serem de ordens distintas: cada linguagem, seja da fotografia ou da música, cria um corpo com especificidades diferentes, que se organiza e adquire modos também distintos de lidar com a realidade. A tradução para a linguagem falada será sempre parcial em relação à experiência corporal, mas não indissociável.
Quando aborda a modernidade, a autora menciona que a mentalidade moderna não foi a mesma em Galileu, Descartes, Newton, Leibniz e que tem sentido em si mesma por ter sido tecida pelo cruzamento de idéias e descobertas ao longo do tempo. O que justifica a importância de explorar a noção de corpo na modernidade porque este nos atravessa ainda hoje gerando mal-estar e crise, e nos impulsionando a busca de novos sentidos. Organiza neste capítulo os elementos a partir do Renascimento que se referem às relações corpo-mente: no âmbito da arte, o desenvolvimento da perspectiva (século XV); na história da ciência, a matematização, a medição e a análise de modelização; na filosofia, a revolução cartesiana, e os binômios como sujeito-objeto; corpo-mente. Cita a perspectiva linear e as coordenadas fixas como elementos chave do período que impeliram a uma racionalização visual e a uma experiência controlada principalmente pela fixação do ponto de vista.
Considera a idéia de perspectiva, entre o Medievalismo e a Modernidade como responsável pela mudança no modo de perceber as próprias relações de poder da sociedade, as práticas sociais, as instituições religiosas, legais e políticas. Em função deste aspecto, conforme ressalta Najmanovich, houve uma transformação não só nos valores mas também nos estilos cognitivos já que o que estava em questão neste período era o controle e domínio da natureza. Para tanto, o tempo foi contido dentro dos relógios; o espaço, capturado no enquadramento de um ponto fixo em uma pintura; e o movimento, aprisionado por leis ditas naturais, necessárias e eternas, o que gerou, segundo a autora, a ilusão do realismo.
Evidenciou-se a partir daí, ao contrário do que permitia a noção medieval de espaço qualitativo e diferenciável, a redução da experiência espacial e por conseqüência das experiências sensórias do corpo. Em função desses movimentos conceituais quanto ao espaço foi uma concepção mecânica do corpo que se instituiu. Que correspondeu ao mundo mecânico onde corpos mensuráveis se estabeleciam em uma perspectiva linear do conhecimento como uma imagem virtual do que está fora do sujeito e independente dele.
O conhecimento que passou a vigorar a partir desta concepção espacial foi o objetivismo baseado na abstração e também proveniente de outro paradigma apresentado no texto como invocado pela sistematização espacial e a medição das coisas, e do corpo: a separação radical sujeito-objeto. Que se estabelece, conforme a autora, no distanciamento e independência do sujeito daquilo que vê, entre quem observa e o que é observado. Separado da emoção, o corpo que surge deste modo de experimentar e conceber o mundo é um corpo sem vísceras, uma casca mensurável,...(p. 18). Um corpo desencarnado.
A autora cita René Descartes como o responsável pela distinção radical entre corpo e mente, de onde emerge o homem que pensa, que segundo Descartes era constituído por três diferentes substâncias: uma divina, outra pensante (a alma) e uma de partículas materiais.
No item O sujeito encarnado e a multidimensionalidade da experiência, Najmanovich aponta as geometrias euclidianas e mais tarde, a Teoria Especial da Relatividade (1905) como responsáveis pela demolição do universo das certezas. E ainda baseado em modelos matemáticos não-lineares: o Princípio da Indeterminação de Heisenberg; a Termodinâmica não Linear de Processos Irreversíveis, os Modelos de Auto-organização e a Complexidade. A dificuldade apresentada pela autora para darmos lugar a novas metáforas ocupando outros espaços cognitivos que não aquele entendido como descrever e predizer, se dá em função do modelo tridimensional da lógica clássica.
O desafio está, segundo ela, em apreender um espaço múltiplo tendo como ponto de partida a afirmação da corporalidade do sujeito que exige uma mudança de nossa paisagem cognitiva. Que envolve a idéia de co-evolução e co-dependência; de torcimento do espaço cognitivo; da presença de um buraco cognitivo; e do lugar de onde se enuncia. A autora propõe a idéia de um sujeito encarnado com um imaginário complexo e com um corpo multidimensional - vivencial fundamentado pelo conceito de enação, que abandona a suposição de um mundo anterior e independente à experiência.
No terceiro capítulo, intitulado A linguagem dos vínculos: da independência absoluta à autonomia relativa, a autora reflete sobre a crise que as alternativas da contemporaneidade nos outorgaram por romperem com os paradigmas da modernidade. Que não é uma crise de algo específico senão de nosso modo de entender e experimentar o mundo e, portanto, de se relacionar com ele. Os paradigmas emergentes surgem de diferentes áreas de conhecimento como a Lingüística, Psicologia Cognitiva, Inteligência Artificial, Teoria Literária, Crítica de Arte, Filosofia da Ciência, entre outras.
Denise Najmanovich propõe colocar em funcionamento um modelo ecológico de conhecimento explorando as redes multidimensionais e a complexidade, e retoma, no texto, o nascimento da experiência moderna para analisar a construção de um método que se pretendia capaz de eliminar o erro. Aponta novamente René Descartes (1596 – 1650) que percorreu o caminho da dúvida para ajustá-lo à certeza; o modelo divulgado por Galileu (1564 -1642) com a utilização do conhecimento matemático como ferramenta de interpretação; e a física clássica que abrange a queda dos corpos, e o movimento de rotação da terra.
Ainda, a prioridade concedida à quantificação na passagem entre Idade Média e Modernidade, que para alguns historiadores da ciência como Paul Benoit, Michel Serres e Thuillier, está ligado ao modus vivendi que se produziu pelo desenvolvimento do comércio e das atividades mercantis no ressurgimento da vida nas cidades. A mercantilização das relações, é apontada no exemplo da página 70, quando a personagem de Rei Lear, em peça do mesmo nome, do dramaturgo inglês, William Shakespeare, demonstra o amor como passível de ser mercantilizado na pergunta que dirige a suas filhas: quanto me queres. Novo espaço vivencial se estabelece transformando a sensibilidade artística tanto na perspectiva da pintura como no desenvolvimento de técnicas para padronizar obras. Músicos criam instrumentos de medição que foram importantes para o desenvolvimento da música polifônica, por exemplo.
Segundo a autora, a física newtoniana também forjou o conhecimento como absoluto, universal e eterno por meio de escalas fixas, e pela aceitação da sociedade, as noções de tempo e espaço se naturalizaram e se tornaram objetivas para todos que não conheciam sua origem. O que produziu o conhecimento objetivo como processo histórico de estandardização perceptual e cognitiva, uma visão ingênua do processo cognitivo e que talvez justifique, segundo a autora, o fato da maioria das pessoas ainda se considerarem como indivíduos isolados e não em múltiplas redes de interações. Nesta perspectiva, cita a busca pela unidade elementar e pelos componentes mais simples como aquilo que permitiu que psicólogos comportamentais pretendessem explicar o comportamento humano como uma reação linear. Normas de educação implícitas foram aplicadas para experienciar o corpo em tarefas cotidianas a partir de um único modelo, a exemplo de como se deveria sentar.
Najmanovich explicita como a contemporaneidade nos apresentou modelos de pensamento não lineares, que permitiram pensar em uma multiplicidade de espaços e que passaram a validar nossa experiencia biológica. A nova concepção prevê a auto-organização dos sistemas vivos que só se dá em relação, o que promove a complexidade e muda a referência sobre o que é conhecimento e conseqüentemente a visão dos processos cognitivos é posta em discussão. E passa a interessar o modo como percebemos e elaboramos conceitos como nos estudos propostos por George Lakoff e Mark Johnson sobre metáfora e mente corporificada, que alçaram o corpo a local do conhecimento. Como conseqüência, o campo visual se transforma e ajustes entre lentes e inversão de imagens trazem a miragem de um novo mundo não tão fácil de visualização porque afastado pela concepção modernista do campo de possibilidades sensório - motoras.
Denise Najmanovich sublinha que é tão enredado o tapete em que formulamos a partir do que vemos, que o que dizemos do que vimos, depende de nossa capacidade de nomear a coisa em si. E cada um vê de um determinado ponto de vista, que está contaminado pelas experiências prévias que vivenciou, e que interfere no como vai sentir e ver na próxima oportunidade. O que formata um corpo e um óculos para ver o mundo. No bojo das mudanças do cenário atual, as artes assumem seu lugar como produtoras de conhecimento, a ciência se permite ser poética ao olhar a natureza e o modelo heterárquico (onde o poder circula) substitui a hierarquia onde o campo das probabilidades, mais do que modelos estandardizados, são considerados.
Do sujeito cartesiano que não poderia ser subjetivo e que se encontrava fora do quadro do universo emerge um sujeito que não nega os conflitos existentes e que se constitui do intercâmbio com uma múltipla rede de interações entre diferentes sistemas, pelos vínculos que cria de afeto: O sujeito complexo, ao contrário, se sabe co-artífice do mundo em que vive, um mundo em interação, de redes fluidas em evolução, um mundo em que são possíveis tanto o determinismo como o acaso, o vidro e a fumaça, acontecimento e linearidade, surpresa e conhecimento (p. 95).

09 dezembro 2007

PESQUISA EM ARTES CÊNICAS – PAC/2007
Professor Cláudio Cajaíba
Aluna Jussilene Santana

SEBEOCK, T. e SEBEOCK, J. Você conhece meu método. In O Signo de Três / Umberto Eco e Thomas A. Sebeock; Tradução Silvana Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2004 (Série Estudos 121).

Os autores iniciam este segundo capítulo do livro O Signo de Três, Você conhece meu método, com o relato da história de investigação protagonizada por Charles Sanders Peirce em 1879 (escrita em 1907 e publicada em 1929). O filósofo teria embarcado no vapor Bristol, de Boston para Nova Iorque. Com o sumiço de seu relógio nas dependências da embarcação, ele intima todos os empregados “de cor” para uma conversa. E, apenas neste diálogo, ele identifica o ladrão. “Não foi capaz no nível consciente de dizer como”, destacam os autores, sobre o método utilizado por Peirce.
Tal história é aqui utilizada como uma ilustração da teoria de Peirce “de que as pessoas fazem suposições corretas de modo freqüente”. A este singular instinto de suposição, de cogitar hipóteses corretas sobre acontecimentos, Peirce se refere como abdução. “Realizo uma abdução quando procuro expressar em uma sentença algo que vejo. A verdade é que todo edifício de nosso conhecimento é uma estrutura emaranhada de puras hipóteses, confirmadas e refinadas pela indução” (PEIRCE apud SEBEOCK, 20).
Contudo, ficamos com a questão: se todo conhecimento depende da formação de uma hipótese, no entanto parece que, a princípio, não há nenhum espaço para a questão de como isso se sustentaria, uma vez que, de um fato real, apenas se insere um pode ser (e pode não ser). Ressalte-se que, para Peirce, a freqüência de que a hipótese é verdadeira é de fato surpreendente. “Um dos maiores prodígios do universo” (idem).
Peirce, a partir daí, compara nossa capacidade de abdução com os poderes musicais e aeronáuticos dos pássaros. Seria então “o mais elevado dos nossos poderes instintivos”. Os autores destacam que Peirce nota que a abdução se funda na confiança de que há suficiente afinidade entre a mente do raciocinador e a natureza para tornar a suposição algo afiançável, uma vez que cada suposição é confrontada com a observação através da comparação. De fato, não haveria “nenhuma garantia em fazer algo mais do que colocar (uma abdução) como interrogação” (21).
Ainda retomando Peirce, os autores destacam que a abdução seria um meio de comunicação entre o “Homem e seu criador”, um privilégio divino que deve ser cultivado. Retomando a doutrina das possibilidades, seria praticamente impossível supor uma causa por puro acaso. O que ocorreria então? Com mais ênfase, para Peirce não haveria “dúvida sobre o fato da mente do homem, tendo se desenvolvido sob a influência das leis da natureza e, por isso, pensar naturalmente segundo o padrão da natureza”. Se não houvesse ela luz interior, segundo Peirce, a raça há muito estaria exterminada.
Peirce levanta então dois princípios: O primeiro, que a mente humana, como resultado dos processos naturais de evolução, é predisposta a fazer suposições corretas sobre o mundo. O segundo (que explica parcialmente o fenômeno da suposição), afirmaria que frequentemente retiramos da observação fortes sugestões de verdade, sem sermos capazes de especificar quais foram às circunstâncias por nós observadas que conduziram a estas sugestões. Ainda para Peirce, os processos pelos quais configuramos intuições sobre o mundo dependem dos julgamentos perceptivos, os quais contem elementos genéricos que permitem que proposições universais deles possam ser deduzidas. Tais julgamentos perceptivos são o resultado de um processo, embora não suficientemente consciente para ser controlado. Os diferentes elementos de uma hipótese estariam em nossa mente antes que conscientemente a cogitemos.
Cabe ressaltar que não haveria uma linha clara entre julgamento perceptivo (não sujeito a análise lógica) e inferência abdutiva. Para Peirce, abdução “ou o primeiro degrau do raciocínio científico”, único argumento que inicia uma nova idéia, é um instinto que confia na percepção inconscientemente das conexões entre aspectos do mundo.
Os autores ressaltam a notável semelhança entre o relato de Peirce e as descrições do método do detetive Sherlock Holmes, descritos pelo Dr. Watson, nos célebres romances de Arthur Conan Doyle. Destacam, inclusive, os apelidos a Holmes de “cão perdigueiro”, farejador, algo similar a um instinto. O curioso é que o investigador da ficção diz que o que ele faz não é suposição. Mas é.
Daí que, segundo Holmes e também para Peirce, as melhores hipóteses a serem consideradas, seriam: a mais simples e natural; a mais fácil e menos dispendiosa de ser checada; e a que contribui para compreensão do espectro maior de fatos possível. Enfim, as suposições mais razoáveis a se fazer nas circunstâncias dadas. Para Peirce, contudo, toda hipótese deveria sempre ser considerada como pergunta. E, embora acredite que todo conhecimento novo surja de conjecturas, eles seriam inúteis sem o leste de averiguação.
Também Holmes, segundo os Sebeock, reconhece a natureza mais “perigosa” da hipótese, quando defende o uso da imaginação, da intuição e da especulação. Um puro jogo (34).
No subcapítulo Doença, crime e semiótica, relembra-se que as raízes da semiótica estão fundadas em antigos tratados médicos. Para Peirce, as ciências se desenvolvem das artes utilitárias. Outra semelhança: Peirce um curioso da medicina e Doyle, autor de Holmes, um médico. Por sua vez, este teria se inspirado em Joseph Bell, seu professor na faculdade de medicina. Daí as afirmações provocativas para a área das ciências médicas: “um diagnóstico nunca é absoluto rigoroso”, “a medicina é uma pseudociência” e a “a doença é um conjunto de sintomas” (47)