AMABILIS DE JESUS DA SILVA
NAJMANOVICH, Denise. O sujeito encarnado: questões para pesquisa no/do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
Nesta resenha, tratarei inicialmente do segundo capítulo, intitulado “Inteligência única ou múltipla: um debate na metade do caminho”. Servindo-se de um estudo de caso, ou aplicação de um dos temas emergidos no primeiro capítulo, reificação, a autora problematiza a idéia de Inteligência a partir de um lugar que dê enfoque à complexidade.
Sua primeira crítica se dirige ao sistema categorial, ou seja, à Teoria Clássica das Categorias, que se norteiam a partir dos seguintes pressupostos: a) existem classes naturais com limites precisos e definidos; b) todos os seres humanos usam o mesmo sistema conceitual; c) o significado se refere à relação símbolos-coisas, ou seja, supõe um modelo “referencial”; d) a razão é transcendental e a gramática é forma pura. Contudo, em sua visão, a mudança do conceito de categoria implicaria na mudança do conceito de “compreensão”, “realidade” e “verdade”, uma vez que os pressupostos dados indicam a categorização como mero reflexo de um mundo que já vem dividido em categorias (classes), e que as apreendemos tais quais são.
Mas as falhas das categorias podem ser denunciadas justamente nas zonas de intersecções, observadas, por exemplo, nos vários sinônimos utilizados para Inteligência: perspicácia, lucidez, talento, astúcia, entendimento, compreensão, sagacidade, e em especial, a associação ao Quociente Intelectual, adotado desde aproximadamente 1916. Oriundo de um estudo formulado por Alfred Binet, em 1905, na França, cujo objetivo único era atender alunos que necessitavam de escolas especiais, este teste tornou-se tanto sinônimo de Inteligência como meio de exclusão. Terman, Goodard e Yerkes, pesquisadores da Eugenia, tiveram grande importância na manipulação do termo e no diagnóstico de hereditariedade. A lei da eugenia dos Estados Unidos, assinada em 1917, é a resultante máxima, trazendo por conseqüência a proibição de reprodução para pessoas catalogadas como débeis mentais.
Permanecendo no estudo de caso, a autora passa a analisar as contribuições, e reincidências, do tratado “Teoria das Inteligências Múltiplas”, de Gardner. A positividade reside na mudança da pergunta: Quão inteligente você é? (How smart are you?) para: De que modo você é inteligente? (How are you smart?). Na pergunta de Gardner há o entendimento de que a Inteligência não é uma entidade única e abstrata, e sim uma atitude que se expressa através de sistemas simbólicos diferentes, decorrentes de domínios culturais. Contudo, a insistência em saber o número exato de Inteligências remete ao pressuposto que existe em nós diversas formas pré-estabelecidas de ser Inteligente.
Abrindo a conclusão, Najmanovich propõe como método perguntas anteriores, na tentativa de desestabilizar a naturalização das categorias, tendo-se por base que cada categorização só reflete aquele que categoriza.
Para tratar do quarto capítulo, “O desafio educativo em um mundo em mutação”,
sublinho antes a aplicação, por parte da autora, do método apontado no segundo capítulo como recurso de estruturação do assunto. Ou seja, para desnaturalizar temas já pontuais da educação, Najmanovich recorre a uma série de indagações sobre a problemática do conhecimento, a problemática do ensino-aprender, a quem caberia a responsabilidade de educar, como se formaria uma rede, o que se deve ensinar, quem pode ensinar e o que se espera dele(a), e a problemática da articulação entre as diferentes facetas da problemática educativa.
As indagações partem da proposta de virtualizar a questão educativa, entendo virtualizar como possibilidade de sair do espaço das respostas clássicas e das críticas tradicionais, conformando um campo de problematizações, e gerando o deslocamento das mesmas. Para tanto, faz-se mister retomar a questão do conhecimento, que sendo produto da interação humana com o mundo, passa a preocupar-se com a atividade do sujeito, a importância dos meios tanto simbólicos quanto técnicos na produção do conhecimento, destacando a dinâmica cognitiva e a produção de sentidos.
O conhecimento pautado nas indicações pós-positivistas, aliado ao advento da informática, prevê mudanças inclusive na maneira de buscar as informações, na postura de quem ensina e quem aprende e, sobretudo, na forma de avaliação. Usando a metáfora das redes, de Deleuze e Guatari, o desafio, segundo a autora, seria considerar a complexa rede de relações que ligam a configuração espaço-temporal, o estilo relacional e a concepção do conhecimento, pois os meios de expressão afetam os processos de pensamento.
Para finalizar, Najmanovich destaca três pontos para apresentação da problemática: a) as culturas orais – o modelo poético; b) a escola da modernidade – o modelo mecânico-disciplinar; c) uma alternativa para a transformação – o modelo da rede alternativa. No primeiro caso, a poesia é tida como instrumento fundamental para garantir a sobrevivência da tradição e como eixo da educação comunitária. A memória se desenvolve e depende do ritmo na poesia, na música e na dança, tornando-se corporal e intelectual, emotiva e cognitiva. A escrita, vinda como revolução cultural, encarcerará o sujeito, e o conhecer se distancia do vivente. No segundo caso, o conhecimento insurge como representação objetiva do mundo, como cópia do mundo: ao conhecer se cria uma “imagem interna”. A escrita, principal meio de expressão e aprendizagem, causa distanciamento entre “aquele que conhece” e “o que conhece”. A educação busca disciplinar a subjetividade para que não “infecte” com suas deformações a imagem canônica aceita no mundo, pretendendo o neutro e impessoal. No terceiro caso, a tese da autora, o processo tende ao multimidiático, ao multimodal, à hibridização, à fertilização cruzada, à inter e transdisciplinaridade. Conhecer seria produzir sentido em um mundo experencial rico e dinâmico. E o conhecimento se coloca como processo dinâmico e encarnado em sujeitos e instituições sociais em interação com seu meio ambiente vital e em permanente transformação.
NAJMANOVICH, Denise. O sujeito encarnado: questões para pesquisa no/do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
Nesta resenha, tratarei inicialmente do segundo capítulo, intitulado “Inteligência única ou múltipla: um debate na metade do caminho”. Servindo-se de um estudo de caso, ou aplicação de um dos temas emergidos no primeiro capítulo, reificação, a autora problematiza a idéia de Inteligência a partir de um lugar que dê enfoque à complexidade.
Sua primeira crítica se dirige ao sistema categorial, ou seja, à Teoria Clássica das Categorias, que se norteiam a partir dos seguintes pressupostos: a) existem classes naturais com limites precisos e definidos; b) todos os seres humanos usam o mesmo sistema conceitual; c) o significado se refere à relação símbolos-coisas, ou seja, supõe um modelo “referencial”; d) a razão é transcendental e a gramática é forma pura. Contudo, em sua visão, a mudança do conceito de categoria implicaria na mudança do conceito de “compreensão”, “realidade” e “verdade”, uma vez que os pressupostos dados indicam a categorização como mero reflexo de um mundo que já vem dividido em categorias (classes), e que as apreendemos tais quais são.
Mas as falhas das categorias podem ser denunciadas justamente nas zonas de intersecções, observadas, por exemplo, nos vários sinônimos utilizados para Inteligência: perspicácia, lucidez, talento, astúcia, entendimento, compreensão, sagacidade, e em especial, a associação ao Quociente Intelectual, adotado desde aproximadamente 1916. Oriundo de um estudo formulado por Alfred Binet, em 1905, na França, cujo objetivo único era atender alunos que necessitavam de escolas especiais, este teste tornou-se tanto sinônimo de Inteligência como meio de exclusão. Terman, Goodard e Yerkes, pesquisadores da Eugenia, tiveram grande importância na manipulação do termo e no diagnóstico de hereditariedade. A lei da eugenia dos Estados Unidos, assinada em 1917, é a resultante máxima, trazendo por conseqüência a proibição de reprodução para pessoas catalogadas como débeis mentais.
Permanecendo no estudo de caso, a autora passa a analisar as contribuições, e reincidências, do tratado “Teoria das Inteligências Múltiplas”, de Gardner. A positividade reside na mudança da pergunta: Quão inteligente você é? (How smart are you?) para: De que modo você é inteligente? (How are you smart?). Na pergunta de Gardner há o entendimento de que a Inteligência não é uma entidade única e abstrata, e sim uma atitude que se expressa através de sistemas simbólicos diferentes, decorrentes de domínios culturais. Contudo, a insistência em saber o número exato de Inteligências remete ao pressuposto que existe em nós diversas formas pré-estabelecidas de ser Inteligente.
Abrindo a conclusão, Najmanovich propõe como método perguntas anteriores, na tentativa de desestabilizar a naturalização das categorias, tendo-se por base que cada categorização só reflete aquele que categoriza.
Para tratar do quarto capítulo, “O desafio educativo em um mundo em mutação”,
sublinho antes a aplicação, por parte da autora, do método apontado no segundo capítulo como recurso de estruturação do assunto. Ou seja, para desnaturalizar temas já pontuais da educação, Najmanovich recorre a uma série de indagações sobre a problemática do conhecimento, a problemática do ensino-aprender, a quem caberia a responsabilidade de educar, como se formaria uma rede, o que se deve ensinar, quem pode ensinar e o que se espera dele(a), e a problemática da articulação entre as diferentes facetas da problemática educativa.
As indagações partem da proposta de virtualizar a questão educativa, entendo virtualizar como possibilidade de sair do espaço das respostas clássicas e das críticas tradicionais, conformando um campo de problematizações, e gerando o deslocamento das mesmas. Para tanto, faz-se mister retomar a questão do conhecimento, que sendo produto da interação humana com o mundo, passa a preocupar-se com a atividade do sujeito, a importância dos meios tanto simbólicos quanto técnicos na produção do conhecimento, destacando a dinâmica cognitiva e a produção de sentidos.
O conhecimento pautado nas indicações pós-positivistas, aliado ao advento da informática, prevê mudanças inclusive na maneira de buscar as informações, na postura de quem ensina e quem aprende e, sobretudo, na forma de avaliação. Usando a metáfora das redes, de Deleuze e Guatari, o desafio, segundo a autora, seria considerar a complexa rede de relações que ligam a configuração espaço-temporal, o estilo relacional e a concepção do conhecimento, pois os meios de expressão afetam os processos de pensamento.
Para finalizar, Najmanovich destaca três pontos para apresentação da problemática: a) as culturas orais – o modelo poético; b) a escola da modernidade – o modelo mecânico-disciplinar; c) uma alternativa para a transformação – o modelo da rede alternativa. No primeiro caso, a poesia é tida como instrumento fundamental para garantir a sobrevivência da tradição e como eixo da educação comunitária. A memória se desenvolve e depende do ritmo na poesia, na música e na dança, tornando-se corporal e intelectual, emotiva e cognitiva. A escrita, vinda como revolução cultural, encarcerará o sujeito, e o conhecer se distancia do vivente. No segundo caso, o conhecimento insurge como representação objetiva do mundo, como cópia do mundo: ao conhecer se cria uma “imagem interna”. A escrita, principal meio de expressão e aprendizagem, causa distanciamento entre “aquele que conhece” e “o que conhece”. A educação busca disciplinar a subjetividade para que não “infecte” com suas deformações a imagem canônica aceita no mundo, pretendendo o neutro e impessoal. No terceiro caso, a tese da autora, o processo tende ao multimidiático, ao multimodal, à hibridização, à fertilização cruzada, à inter e transdisciplinaridade. Conhecer seria produzir sentido em um mundo experencial rico e dinâmico. E o conhecimento se coloca como processo dinâmico e encarnado em sujeitos e instituições sociais em interação com seu meio ambiente vital e em permanente transformação.
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